15.5.12

Expecto Patronum

Dessa última vez começamos trocando os papéis. O questionador fui eu, despretenciosamente, mas verdadeiramente curioso.
Perguntei da viagem, sorrimos, confrontamos gostos e nos reconhecemos. Eu estava animado, mas a gente não arriscou dizer essa palavra. Eu estava "com energia" para falar de coisa ruim.
Do quanto é ruim você constatar um desvio de caráter, uma ídole duvidosa de quem, até então, tinha sua estima e confiança. Do quanto é ruim você perceber que inveja e ambição caminham de mãos dadas. Aliás, caminham não, correm. E atropelam o que ou quem estiver pela frente.
A gente falou sobre ter sua energia sugada grande parte do dia.
Podíamos ter falando em obssessão de encarnado pra encarnado, mas preferimos falar sobre dementadores da vida real.
E depois que eu expliquei o que eram dementadores, veio mais uma vez a pergunta pertinente que sempre serve pra fechar um diálogo, um texto e abrir um buraco negro aqui dentro.

- Como fazemos para nos livrar dos dementadores?
- A gente tem que pensar em uma coisa muito boa, uma memória, um alguém, um sentimento que reuna toda a energia positiva que nos resta. Isso é expelido através da varinha mágica na forma de um animal, que vai de encontro aos dementadores e os afastam.
- Engraçado. Não se difere muito da vida real, né?
- É mesmo. Não se difere.
- Então, Rafael, você vai pensar em qual animal sairia sua varinha e me conta isso na próxima vez que nós nos virmos.

Eu teria uma resposta bem piegas pra dar na hora. É claro que meu animal seria um burro.
Mas pensando bem. Esse tempo serviu pra eu perceber que não.
Na verdade, agora eu sei, seria um pássaro.
Mas não seria qualquer pássaro.
Seria esse aqui.

9.5.12

Somebody That I Used To Know

You can get addicted to a certain kind of sadness
Like resignation to the end, always the end
So, when we found that we could not make sense
Well, you said that we would still be friends
But I'll admit that I was glad that it was over

2.5.12

VRAH

Ela me perguntou se eu queria revisitar aquele conto e eu, surpreendentemente - para ela -, disse "não".
Mentira, eu disse "agora não", só pra fingir que eu vou querer falar novamente sobre aquilo em algum momento, como se eu já não vivesse aquele conto todos os dias, full time.

Então, fingindo resignação, transferiu a ideia pra um baú cheio de coisas.
Um baú com coisas tipo, uma flor, um disco de vinil, um frasco de perfume vazio, um brinquedo quebrado e um pedaço de tecido que era igual ao do vestido que Natália tinha usado no dia anterior. Lindo, por sinal.

A intenção era que eu representasse minha vida, no momento atual, através daqueles objetos. Eu podia fazer uma "instalação" se eu quisesse, mas naquele dia, eu não quis. Achei que era abstração demais e a paciência, impaciente, saiu correndo há muito tempo. Virou aquele pontinho na linha do horizonte, que a gente aperta o olho e reforça as marcas de expressão pra poder enxergar.

Impaciente, peguei uma caixa azul marinho, um cubo exato e disse "é isso".

- Descreva a sua vida, então, como se eu não tivesse enxergando nada.
- Uma caixa azul marinho, mas que a gente vai fingir que é preta, porque eu prefiro.
- Você não quer pintá-la de preto, então?
- Não, dá muito trabalho. Vamos fingir, que é mais prático.
- Sua vida vai ficar vazia?
- ...
- Se você pudesse preenchê-la, o que teria aí dentro?
- Feijõezinhos de todos os sabores.

Com uma caixinha de massa de modelar em mãos, ela diz: vamos preenchê-la?
Usei verde, laranja, amarelo, branco com laranja e branco com dois tons de rosa.

- De que são esses feijões?
- Heineken, tequila sunrise, carambola, sushi de salmão e bacon.
- Quando você come o feijão da carambola, por exemplo, você sente aquela textura da fruta e o caldinho escorrendo pela sua boca?
- Acho que não.
- Interessante, Rafael. Sua vida é uma caixa azul marinho, que a gente finge que é preta, cheia de feijões que não tem gosto de feijões, mas sim, de bebidas e comidas que não tem formato, nem textura real.
O que é autêntico aí?